sábado, 15 de agosto de 2009

POLÍTICAS LGBT

Por que criar coordenadorias LGBT nos governos? Ativista LGBT do Instituto Edson Neris discute criação de coordenadorias LGBT no Brasil por Julian Rodrigues


A Constituição de 1988 foi o marco da refundação democrática do Estado brasileiro. Depois de um período de trevas, que foi a ditadura militar (1964-1985), e depois de anos de mobilizações sociais, amplas, massivas, plurais, de toda a luta democrática, o Brasil entra em um novo período.

Nestas duas últimas décadas, aos trancos e barrancos, vimos, através da luta social, alargando os limites da democracia e reconhecendo direitos. Direitos civis, direitos trabalhistas, direitos políticos, direitos sociais. Apesar do ataque permanente dos conservadores, a sociedade brasileira avança no terreno dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, da população negra, dos indígenas, das crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência.

Nos últimos anos, temos avançado também no reconhecimento dos direitos da juventude, parcela importante da nossa população. Mas, entre todos os segmentos vulneráveis, historicamente discriminados, a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) é a que ainda não recebeu a devida atenção do Estado.

Esse quadro começa a mudar, muito lentamente, nos últimos anos, quando algumas administrações municipais instituem órgãos para tratar da promoção da livre orientação sexual e identidade de gênero. Muda também quando dezenas de municípios e alguns Estados aprovam leis que punem ações discriminatórias contra cidadãos LGBT.

Contudo, são ações pontuais, que só começam a ganhar organicidade com o lançamento do programa federal Brasil sem Homofobia. E ganham um novo patamar de visibilidade e acúmulo com o processo das Conferências LGBT, ocorrido em 2008.

Da intenção ao gesto – Depois do rico processo de formulação e mobilização social que culminou com a I Conferência Nacional LGBT, não há mais como alegar que falta discussão ou conhecimento. É amplamente conhecida a demanda da população LGBT por políticas que combatam o preconceito e garantam seus direitos.

Portanto, o momento é de avançar, concretamente, no fortalecimento da democracia e na construção de uma sociedade plural, que assegure os direitos de todas as pessoas, independente de como amam ou de como constroem seus corpos.

Entretanto, esse avanço não vai acontecer por inércia. O poder executivo, em todos os níveis, deve incorporar na sua estrutura e na sua ação as políticas de combate à homofobia e promoção da cidadania LGBT.

Portanto, é preciso que, em todas as áreas de atuação dos governos, a população LGBT deixe de ser invisível, discriminada ou excluída e passe a ser sujeito e alvo de ações que interfiram positivamente no cotidiano destas pessoas.

Estrutura, programas, recursos – Assim, fica evidente que os governos só terão condições mínimas de atuar efetivamente para melhorar a qualidade de vida dos(as) milhões de LGBT no Brasil, se houver espaços concretos que cuidem dessa agenda, articulando no conjunto da administração pública as políticas antidiscriminatórias.

O primeiro passo de cada governo é reconhecer a relevância desta questão e sua demanda por políticas específicas. O segundo passo é instituir, na estrutura dos governos, espaços específicos que tratem deste tema. Sem isso, não há como desenvolver um olhar que perpasse todo o governo, direcionado para o combate à discriminação aos LGBT.

Simples assim. Para começar a tirar do papel as centenas de propostas aprovadas nas Conferências LGBT, os governos devem criar, imediatamente, Coordenações LGBT, estruturas governamentais que tratem apenas deste tema.

Coordenações de Promoção da Cidadania LGBT – São instâncias básicas, verdadeiros alicerces para que esse tema entre pela porta da frente em todos os governos. Essas Coordenadorias devem se debruçar sobre as deliberações das Conferências e dialogar com cada órgão governamental, criando as condições para que as políticas se concretizem, saiam do papel.

Além disso, são órgãos fundamentais para dialogar com o movimento LGBT organizado, ouvindo a sociedade, acatando demandas, trocando experiências. Também são as Coordenadorias o espaço para sistematizar e estruturar os programas de cada governo para a população LGBT.

É preciso um trabalho sistemático, orgânico, para transformar as diretrizes aprovadas nas Conferências em Planos de políticas afirmativas e enfrentamento à homofobia, em todos os níveis de governo.

Atualmente, poucos governos estaduais têm espaços deste tipo (Pará, Piauí, Rio de Janeiro). Outros estão em processo de criação destas estruturas. Alguns governos municipais já têm essa experiência. Desde a pioneira Porto Alegre, passando por São Paulo, Recife, Olinda, Fortaleza... Mas, tudo ainda muito incipiente em um país como o nosso, tão grande quanto a sua capacidade de discriminar.

Coordenadorias LGBT, Programas de Combate à Homofobia e Conselhos (que permitam o controle social e o diálogo com o movimento organizado) constituem um tripé, que deve lastrear as ações de todo e qualquer governo comprometido com a cidadania ampla, com a modernidade democrática.

Essa é uma agenda urgente, pois lésbicas, gays, travestis, bissexuais e transexuais já não podem mais esperar para se incorporar à esfera pública, como cidadãos e cidadãs plenos.

Julian Rodrigues é ativista LGBT do Instituto Edson Neris (SP), do Fórum Paulista LGBT e da ABGLT. Foi membro da Comissão Organizadora Nacional da I Conferência LGBT.

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